Considera-se que independente da
configuração familiar, tal instituição é um espaço importante para a vinculação
e interação entre os seus membros e é concebida como âmbito de referência
(Esteves & Ribeiro, 2016 apud Monteiro, Costa, Cruz & Magalhães,
2020).
Quando se discute sobre o âmbito familiar
é necessário a compreensão de que, independentemente de qualquer coisa, as
relações familiares precisam ser saudáveis, mas infelizmente e por vários
motivos a criança e/ou adolescente sofre da privação do cuidado familiar,
ficando órfão ou até mesmo por negligência, abandono, violência física ou
sexual.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) foi criado para que as crianças e os adolescentes não sofressem tal
violação, preservando sua integridade, os seus direitos e garantindo sua
proteção integral. Também sancionado em 13 de julho de 1990, é o principal
instrumento normativo do Brasil sobre os direitos da criança e do adolescente e
incorporou os avanços preconizados na Convenção sobre os Direitos da Criança
das Nações Unidas e trouxe o caminho para concretizar o Artigo 227 da
Constituição Federal, que determinou direitos e garantias fundamentais a
crianças e adolescentes. (ECA, p.11, 1990.)
Muitas crianças e adolescentes quando negligenciados são
enviados a uma instituição de acolhimento para garantir a sua proteção, mas
viabilizam que ao menor tempo possível esse indivíduo deve voltar a sua família
de origem ou a uma família substituta (adoção, guarda ou tutela).
Antes da inserção na instituição, devem
ser aplicadas medidas de proteção, tais como: encaminhamento dos pais ou
responsável para orientação, apoio e acompanhamento temporários; inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente.
A reintegração familiar é um processo que visa o retorno da
criança a um lar, possibilitando que essa criança tenha todos os seus direitos
garantidos, ela pode ser feita com a família de origem ou com pessoas próximas
à criança, que tenham vínculos de afinidade e que reúnam condições e motivação
para esse acolhimento, porém, nem sempre esse processo é fácil.
Quando os direitos são violados de forma que os expõem a
violências físicas, psicológicas, sexuais ou a graves negligências, o ECA
dispõe em última instância sobre a retirada da criança e/ou adolescente de sua
família e a sua colocação em abrigos ou em uma família de acolhimento. A lei
diz que o tempo máximo de acolhimento de uma criança ou adolescente é de dois
anos, mas infelizmente essa não é a realidade de muitos, algumas crianças vivem
no abrigo por muito tempo aguardando o retorno à família ou a adoção.
Em relação ao tempo de permanência, a Lei Nacional da Adoção
(12.010/09) expõe que a duração máxima do acolhimento não deve ultrapassar dois
anos, para que a criança seja desligada da instituição e retorne
prioritariamente para o convívio com a família de origem e excepcionalmente
para família substituta (Monteiro, Costa, Cruz & Magalhães, 2020).
O ECA preconiza que se deve
criar para a criança e o adolescente todas as condições que se desenvolvam
física, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade. (Artigo 3º do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990).
A maior dificuldade para a reintegração familiar é que a
maioria das famílias encontram – se em situação de extrema pobreza, sem
condições de proporcionar um ambiente seguro para o regresso da criança ou
adolescente. A regressão só é alcançada quando os familiares são capazes de
reverter o cenário atual.
Existem mais dificuldades do que oportunidades para que a
reintegração familiar possa ocorrer efetivamente, algumas famílias necessitam
de reconhecer os problemas para que assim possam reconstituir os laços com a
criança e proporcionar que o regresso aconteça o mais rápido possível, quando
estão esgotadas todas as possibilidades da regressão a criança ao seu convívio
familiar, os órgãos competentes possibilitam que essas crianças e adolescentes
sejam adotados.
Dificuldade de acesso a família
extensiva
Após
o esgotamento de possibilidades de reinserção familiar, os abrigos,
através de assistentes sociais e psicólogos, iniciam um trabalho incansável na
procura de familiares que estejam dispostos a assumir os cuidados dessa
criança/adolescente, porém as dificuldades são grandes, muitas vezes na
localização dos familiares ou na tentativa de convencimento sobre a importância
de a criança não perder o convívio com a sua família natural ou extensa.
As medidas
de reinserção devem ter como preocupação primordial o fortalecimento do vínculo
afetivo entre o acolhido e sua família, tendo em vista que essa ligação se
constrói e/ou se mantém com intimidade e afeição entre seres que estão em
contínua interação e convívio social (BRITO et al., 2014; ROCHA et al., 2015b
apud Siqueira, 2019).
Após as tentativas sem sucesso
com a família extensa, a criança entra para a fila de adoção.
Estudos têm
indicado que o tempo de institucionalização tem sido bastante prolongado no
Brasil, mesmo depois do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069,
1990), evidenciando a dificuldade em garantir a provisoriedade da medida e a
existência de poucos casos em que ocorre a volta para casa (Cavalcante et al.,
2010 apud Siqueira 2012).
A denominação família extensa foi introduzida com a
reforma do ECA, que se deu com a Lei 12.010/09 e, de acordo com o previsto
no parágrafo único do artigo 25: “Parágrafo único".
Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para
além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes
próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de
afinidade e afetividade.”
Trata-se de espécie de família natural,
em distinção à família substituta. A legislação brasileira assegura às crianças
e adolescentes seus convívios com seus avôs e avós, tios e tias, primos, dentre
outros, como direito fundamental do menor, inclusive devendo ser garantido pelo
Estado e pelos seus pais. Em nosso sistema de adoção há uma preferência ou
possibilidade de que a criança seja adotada por seus parentes, para que ela
permaneça no convívio familiar, ao invés de ser adotada por pessoas com quem nunca
teve contato. O artigo 19 do ECA estabelece que é direito da criança ser criada
e educada no seio familiar. Mas infelizmente são poucas as crianças e/ou
adolescentes que conseguem permanecer no convívio familiar ao invés de ser
adotadas por pessoas com quem nunca tiveram nenhum contato anterior ao abrigo.
Famílias
Interracial
A experiência de adoção
interracial é uma das mais ricas experiências de educação intercultural porque
oferece amplas oportunidades de aceitar as diferenças encontrar um lugar onde
as diferenças possam ser expressas em vez de excluídas: aqui encontramos uma
possibilidade de formação de identidades que segundo Vygotsky (1998, p. 75),
os processos psicológicos
superiores estão atrelados
à Lei da Dupla Formação, segundo a qual “todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível
social e depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas
(interpsicológico) e depois, no interior da criança (intrapsicológico)”.
As
dificuldades que essas famílias que adotaram crianças negras passam não são
maiores ou mais significativas do que as encontradas no seio de uma família com
filhos biológicos, pois para que haja uma família passaremos pela necessidade
do diálogo e amor, para transpor as dificuldades do período de convivência que
geralmente varia entre 4 ou 6 meses de acordo com a determinação judicial, além
do período de aproximação que varia dependendo da necessidade da criança, momento
em que a criança está mais insegura, pois seus traumas e medos aparecem de
formas particulares, seja por desobediência, agressividade ou introspecção.
O termo adoção significa o
início de uma relação parecida com aquela criada a partir do nascimento de um
filho biológico. Ainda, o conceito é visto com caráter humano de uma família
construída por meios civis, suprindo as necessidades e dando a oportunidade
aqueles que são estéreis e as crianças abrigadas em instituições (CONCEIÇÃO,
2019 apud LEAL, C. et al. 2023).
Porém adotar alguém não é a resposta para os problemas sociais, nem é a
resposta para a necessidade de amor de algumas pessoas, ela (a adoção) não pode
ser motivada pela emoção, simpatia ou raiva pelos abusos do governo, deve ser
única e completa, havendo apenas uma vontade: contribuir para a formação de um
cidadão. O processo de adoção, os aspectos legais e o entendimento de cada
pessoa (o adotante e o adotado), seus motivos e seus sentimentos são a base
desta estrutura que contribui à manutenção de família.
Pai e mãe fazem muito mais do que cuidar de um filho, pois a educação de
uma criança é igual para filhos biológicos e adotados, sejam brancas, negras,
indígenas ou pardas. Criança é criança, você não pode esquecer dos seus valores
e encontrar desculpas para dizer que uma família interracial é ou não funcional
com base nas suas crenças ou ideologias. Pois seja essa criança adotada ou não,
a educação deveria ser pautada pelo amor, pela responsabilidade e pela
compreensão de que todas as pessoas, inclusive as crianças, têm direitos e
deveres.
O papel do Psicólogo.
Pensar
nos caminhos da adoção também nos leva a refletir sobre o papel do Psicólogo,
enquanto funcionário do Fórum ou contratado para acompanhar o desenvolvimento
da criança ao longo da sua vivência na família que o acolheu como parte dela, na atuação
do psicólogo poderemos citar o desenvolvimento de um trabalho intenso,
envolvendo aspectos como o luto da família biológica e a construção do vínculo
com novas relações familiares. A atuação também se pauta na orientação aos pais
sobre a adaptação, oferecendo acompanhamento psicológico e suporte tanto para
os pais quanto para a criança, facilitando o processo e auxiliando nas
dificuldades que poderão emergir. (LEAL,
C. et al. 2024).
Precisamos reconhecer o processo de adoção como um caminho que
precisa ser cuidado e orientado por Profissionais de Psicologia e Assistência
Social, para que as etapas sejam construções amorosas para adotados e
adotantes. Por isso as fases:
Estágio
de Convivência - tem como finalidade a adaptação entre a criança e a família;
Guarda
- regulamentar o convívio familiar;
Tutela
- Adequar o adotando ao seio familiar;
Requisitos
para adoção - vontade de adotar, maior de 18 anos, ter diferença de 16 anos do
adotando;
Motivação
- sabendo de toda responsabilidade envolvida, é imprescindível que exista real
vontade;
Processo
adotivo - habilitação à sentença- refere a todo trâmite que passa em segredo de
justiça, análise do pedido até a guarda provisória;
Efeitos
da adoção - refere após a sentença jurídica ser positiva, existem os efeitos de
natureza pessoal e patrimonial como administração dos bens, alimentação,
herança do adotando, entre outros. (LEAL, C. et al.
2024).
Segundo
Ozoux-Teffaine (apud ALAVARENGA e BITTENCOURT, 2013)
“destaca a importância de um trabalho de acompanhamento que ajude os adotantes
a atravessar o período intermediário, marcado por angústias persistente, em
direção à construção da filiação” para isso os psicólogos
procuram fornecer ajuda e orientação, facilitando o
ajustamento entre a criança e a família. A equipe
técnica deve ajudar a criança no luto pela
mãe originária, para que ela consiga a partir dessa superação estar
preparada para ser adotada e aos futuros pais adotivos, que nem
sempre conseguem lidar com o abandono.
Um papel importantíssimo na
reconstrução da identidade de seus filhos, sendo fundamental para estes a
construção simbólica de sua história de vida e das descontinuidades oferecida
pelos pais adotivos. A adoção, para as crianças, significa ter uma nova história,
porém, ao mesmo tempo em que oferece esperança, demarca perda e separações,
principalmente no caso de crianças maiores que passaram por abrigos. (Machado,
Féres-Carneiro, & Magalhães, 2015).
Teremos então que a partir desses
pontos refletir sobre como essas crianças serão criadas, terão incentivos de
buscarem pelas suas raízes emocionais e de autorreconhecimento, para além do
universo da sua família branca, ela terá incentivo às animações pretas, tais
como: Kiriku e a Feiticeira (1998); Homem-Aranha no Aranhaverso (2018); O Mundo
de Karma (2021); Super Choque (2015); Super-Heroínas da Equipe 4 (2023), não
como forma de consumo, mas como possibilidade de se reconhecer.
E são os Profissionais de Psicologia
que levaram as famílias a verem essas demandas de formas tranquilas e com mais
leveza, trazendo para a criança ou jovem um caminho de uma construção amora e
respeitosa, mesmo dentro de uma sociedade que por vezes olham as diferenças
racias como forma de discriminação e não entendo a importância de cuidado com o
outro.
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Lidia Levy de; BITTENCOURT, Maria Inês Garcia de
Freitas. A delicada construção de um vínculo de filiação papel do psicólogo em
processos de adoção. Pensando fam., Porto
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