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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Adoção: Família Interracial e o papel do Psicólogo. Por: Wanderley Silva

 


            A família é de suma importância para o desenvolvimento emocional e social, é onde começa a nossa primeira relação, ensinamentos de moral, de valores, tradições e que vem passando por constantes transformações e que no âmbito social tem diferentes significados.

            Considera-se que independente da configuração familiar, tal instituição é um espaço importante para a vinculação e interação entre os seus membros e é concebida como âmbito de referência (Esteves & Ribeiro, 2016 apud Monteiro, Costa, Cruz & Magalhães, 2020). 

            Quando se discute sobre o âmbito familiar é necessário a compreensão de que, independentemente de qualquer coisa, as relações familiares precisam ser saudáveis, mas infelizmente e por vários motivos a criança e/ou adolescente sofre da privação do cuidado familiar, ficando órfão ou até mesmo por negligência, abandono, violência física ou sexual. 

            O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado para que as crianças e os adolescentes não sofressem tal violação, preservando sua integridade, os seus direitos e garantindo sua proteção integral. Também sancionado em 13 de julho de 1990, é o principal instrumento normativo do Brasil sobre os direitos da criança e do adolescente e incorporou os avanços preconizados na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas e trouxe o caminho para concretizar o Artigo 227 da Constituição Federal, que determinou direitos e garantias fundamentais a crianças e adolescentes. (ECA, p.11, 1990.)

            Muitas crianças e adolescentes quando negligenciados são enviados a uma instituição de acolhimento para garantir a sua proteção, mas viabilizam que ao menor tempo possível esse indivíduo deve voltar a sua família de origem ou a uma família substituta (adoção, guarda ou tutela).

            Antes da inserção na instituição, devem ser aplicadas medidas de proteção, tais como: encaminhamento dos pais ou responsável para orientação, apoio e acompanhamento temporários; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente.

            A reintegração familiar é um processo que visa o retorno da criança a um lar, possibilitando que essa criança tenha todos os seus direitos garantidos, ela pode ser feita com a família de origem ou com pessoas próximas à criança, que tenham vínculos de afinidade e que reúnam condições e motivação para esse acolhimento, porém, nem sempre esse processo é fácil.

            Quando os direitos são violados de forma que os expõem a violências físicas, psicológicas, sexuais ou a graves negligências, o ECA dispõe em última instância sobre a retirada da criança e/ou adolescente de sua família e a sua colocação em abrigos ou em uma família de acolhimento. A lei diz que o tempo máximo de acolhimento de uma criança ou adolescente é de dois anos, mas infelizmente essa não é a realidade de muitos, algumas crianças vivem no abrigo por muito tempo aguardando o retorno à família ou a adoção.

            Em relação ao tempo de permanência, a Lei Nacional da Adoção (12.010/09) expõe que a duração máxima do acolhimento não deve ultrapassar dois anos, para que a criança seja desligada da instituição e retorne prioritariamente para o convívio com a família de origem e excepcionalmente para família substituta (Monteiro, Costa, Cruz & Magalhães, 2020).

O ECA preconiza que se deve criar para a criança e o adolescente todas as condições que se desenvolvam física, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (Artigo 3º do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990).

            A maior dificuldade para a reintegração familiar é que a maioria das famílias encontram – se em situação de extrema pobreza, sem condições de proporcionar um ambiente seguro para o regresso da criança ou adolescente. A regressão só é alcançada quando os familiares são capazes de reverter o cenário atual. 

            Existem mais dificuldades do que oportunidades para que a reintegração familiar possa ocorrer efetivamente, algumas famílias necessitam de reconhecer os problemas para que assim possam reconstituir os laços com a criança e proporcionar que o regresso aconteça o mais rápido possível, quando estão esgotadas todas as possibilidades da regressão a criança ao seu convívio familiar, os órgãos competentes possibilitam que essas crianças e adolescentes sejam adotados.

 

 

Dificuldade de acesso a família extensiva

        Após o esgotamento de possibilidades de reinserção familiar, os abrigos, através de assistentes sociais e psicólogos, iniciam um trabalho incansável na procura de familiares que estejam dispostos a assumir os cuidados dessa criança/adolescente, porém as dificuldades são grandes, muitas vezes na localização dos familiares ou na tentativa de convencimento sobre a importância de a criança não perder o convívio com a sua família natural ou extensa.

 As medidas de reinserção devem ter como preocupação primordial o fortalecimento do vínculo afetivo entre o acolhido e sua família, tendo em vista que essa ligação se constrói e/ou se mantém com intimidade e afeição entre seres que estão em contínua interação e convívio social (BRITO et al., 2014; ROCHA et al., 2015b apud Siqueira, 2019). 

     Após as tentativas sem sucesso com a família extensa, a criança entra para a fila de adoção.

Estudos têm indicado que o tempo de institucionalização tem sido bastante prolongado no Brasil, mesmo depois do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, 1990), evidenciando a dificuldade em garantir a provisoriedade da medida e a existência de poucos casos em que ocorre a volta para casa (Cavalcante et al., 2010 apud Siqueira 2012).

            A  denominação família extensa foi introduzida com a reforma do ECA, que se deu com a Lei 12.010/09 e, de acordo com o previsto no parágrafo único do artigo 25: “Parágrafo único". Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.”

            Trata-se de espécie de família natural, em distinção à família substituta. A legislação brasileira assegura às crianças e adolescentes seus convívios com seus avôs e avós, tios e tias, primos, dentre outros, como direito fundamental do menor, inclusive devendo ser garantido pelo Estado e pelos seus pais. Em nosso sistema de adoção há uma preferência ou possibilidade de que a criança seja adotada por seus parentes, para que ela permaneça no convívio familiar, ao invés de ser adotada por pessoas com quem nunca teve contato. O artigo 19 do ECA estabelece que é direito da criança ser criada e educada no seio familiar. Mas infelizmente são poucas as crianças e/ou adolescentes que conseguem permanecer no convívio familiar ao invés de ser adotadas por pessoas com quem nunca tiveram nenhum contato anterior ao abrigo.

 

Famílias Interracial

A experiência de adoção interracial é uma das mais ricas experiências de educação intercultural porque oferece amplas oportunidades de aceitar as diferenças encontrar um lugar onde as diferenças possam ser expressas em vez de excluídas: aqui encontramos uma possibilidade de formação de identidades que segundo Vygotsky (1998, p. 75), os  processos  psicológicos  superiores  estão  atrelados  à  Lei  da Dupla Formação, segundo a qual “todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico) e depois, no interior da criança (intrapsicológico)”.

            As dificuldades que essas famílias que adotaram crianças negras passam não são maiores ou mais significativas do que as encontradas no seio de uma família com filhos biológicos, pois para que haja uma família passaremos pela necessidade do diálogo e amor, para transpor as dificuldades do período de convivência que geralmente varia entre 4 ou 6 meses de acordo com a determinação judicial, além do período de aproximação que varia dependendo da necessidade da criança, momento em que a criança está mais insegura, pois seus traumas e medos aparecem de formas particulares, seja por desobediência, agressividade ou introspecção.

O termo adoção significa o início de uma relação parecida com aquela criada a partir do nascimento de um filho biológico. Ainda, o conceito é visto com caráter humano de uma família construída por meios civis, suprindo as necessidades e dando a oportunidade aqueles que são estéreis e as crianças abrigadas em instituições (CONCEIÇÃO, 2019 apud LEAL, C. et al. 2023).

Porém adotar alguém não é a resposta para os problemas sociais, nem é a resposta para a necessidade de amor de algumas pessoas, ela (a adoção) não pode ser motivada pela emoção, simpatia ou raiva pelos abusos do governo, deve ser única e completa, havendo apenas uma vontade: contribuir para a formação de um cidadão. O processo de adoção, os aspectos legais e o entendimento de cada pessoa (o adotante e o adotado), seus motivos e seus sentimentos são a base desta estrutura que contribui à manutenção de família.

Pai e mãe fazem muito mais do que cuidar de um filho, pois a educação de uma criança é igual para filhos biológicos e adotados, sejam brancas, negras, indígenas ou pardas. Criança é criança, você não pode esquecer dos seus valores e encontrar desculpas para dizer que uma família interracial é ou não funcional com base nas suas crenças ou ideologias. Pois seja essa criança adotada ou não, a educação deveria ser pautada pelo amor, pela responsabilidade e pela compreensão de que todas as pessoas, inclusive as crianças, têm direitos e deveres.

                                                                               

O papel do Psicólogo.

            Pensar nos caminhos da adoção também nos leva a refletir sobre o papel do Psicólogo, enquanto funcionário do Fórum ou contratado para acompanhar o desenvolvimento da criança ao longo da sua vivência na família que o acolheu como parte dela, na atuação do psicólogo poderemos citar o desenvolvimento de um trabalho intenso, envolvendo aspectos como o luto da família biológica e a construção do vínculo com novas relações familiares. A atuação também se pauta na orientação aos pais sobre a adaptação, oferecendo acompanhamento psicológico e suporte tanto para os pais quanto para a criança, facilitando o processo e auxiliando nas dificuldades que poderão emergir. (LEAL, C. et al.  2024).

Precisamos reconhecer o processo de adoção como um caminho que precisa ser cuidado e orientado por Profissionais de Psicologia e Assistência Social, para que as etapas sejam construções amorosas para adotados e adotantes. Por isso as fases:

Estágio de Convivência - tem como finalidade a adaptação entre a criança e a família;

Guarda - regulamentar o convívio familiar;

Tutela - Adequar o adotando ao seio familiar;

Requisitos para adoção - vontade de adotar, maior de 18 anos, ter diferença de 16 anos do adotando;

Motivação - sabendo de toda responsabilidade envolvida, é imprescindível que exista real vontade;

Processo adotivo - habilitação à sentença- refere a todo trâmite que passa em segredo de justiça, análise do pedido até a guarda provisória;

Efeitos da adoção - refere após a sentença jurídica ser positiva, existem os efeitos de natureza pessoal e patrimonial como administração dos bens, alimentação, herança do adotando, entre outros. (LEAL, C. et al.  2024).

 

 

 

Segundo Ozoux-Teffaine (apud ALAVARENGA e BITTENCOURT, 2013) “destaca a importância de um trabalho de acompanhamento que ajude os adotantes a atravessar o período intermediário, marcado por angústias persistente, em direção à construção da filiação” para isso os psicólogos procuram fornecer ajuda e orientação, facilitando o ajustamento entre a criança e a família. A equipe técnica deve ajudar a criança no luto pela mãe originária, para que ela consiga a partir dessa superação estar preparada para ser adotada e aos futuros pais adotivos, que nem sempre conseguem lidar com o abandono. 

Um papel importantíssimo na reconstrução da identidade de seus filhos, sendo fundamental para estes a construção simbólica de sua história de vida e das descontinuidades oferecida pelos pais adotivos. A adoção, para as crianças, significa ter uma nova história, porém, ao mesmo tempo em que oferece esperança, demarca perda e separações, principalmente no caso de crianças maiores que passaram por abrigos. (Machado, Féres-Carneiro, & Magalhães, 2015).

            Teremos então que a partir desses pontos refletir sobre como essas crianças serão criadas, terão incentivos de buscarem pelas suas raízes emocionais e de autorreconhecimento, para além do universo da sua família branca, ela terá incentivo às animações pretas, tais como: Kiriku e a Feiticeira (1998); Homem-Aranha no Aranhaverso (2018); O Mundo de Karma (2021); Super Choque (2015); Super-Heroínas da Equipe 4 (2023), não como forma de consumo, mas como possibilidade de se reconhecer.

            E são os Profissionais de Psicologia que levaram as famílias a verem essas demandas de formas tranquilas e com mais leveza, trazendo para a criança ou jovem um caminho de uma construção amora e respeitosa, mesmo dentro de uma sociedade que por vezes olham as diferenças racias como forma de discriminação e não entendo a importância de cuidado com o outro.

                                                                                                                                             

 

 

                                                                                              

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALVARENGA, Lidia Levy de; BITTENCOURT, Maria Inês Garcia de Freitas. A delicada construção de um vínculo de filiação papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando fam., Porto Alegre, v.17, n.1, p.41-53, jul. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2013000100005&lng=pt&nrm=iso . acesso em: 10 maio 2024.

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. ano 1990, Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/publicacoes/eca-2023.pdf.  Acesso em: 30 março 2024.

CRUZ, Lorena. Direto à/Da família Extensa: do direito dos avós e tios à visitação de crianças e adolescentes. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-a-da-familia-extensa-do-direito-dos-avos-e-tios-a-visitacao-de-criancas-e-adolescentes/483502179?_gl=1*tw8i5g*_ga*MTI4OTQzNTI2Mi4xNzExNDkyMjky*_ga_QCSXBQ8XPZ*MTcxMzQ3NzY3Ny4zLjEuMTcxMzQ3ODIxOS42MC4wLjA. Acesso em: 18 abril 2024.

LEAL, C. et al. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO NO BRASIL Psicossociais. PubSaúde Journal; Anima Educação Journal; Magistro de Filosofia Journal; Psi Journal. [s.l: s.n.]. 2023. Disponível em:

https://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/h6DIVR77i1w9O0J_2023-7-19-14-59-15.pdf . Acesso em: 9 maio 2024.

‌MACHADO, Rebeca Nonato; FERES-CARNEIRO, Terezinha; MAGALHAES, Andrea Seixas. Parentalidade adotiva: contextualizando a escolha. Psico (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 46, n. 4, p. 442-451, dez.  2015.   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-53712015000400005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 17 maio 2024.

MONTEIRO, Bruna Nazaré Silva; COSTA, Amanda Cristina Ribeiro da; CRUZ, Edson Junior Silva da, MAGALHÃES, Celina Maria Colino. Crianças em acolhimento institucional: dificuldades e possibilidades para a reinserção familiar, v.24, n. 1 Porto Alegre. 2020. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000100010 .  Acesso em 17 abril 2024.

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VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.A

 

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Wanderley Silva

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